terça-feira, 1 de abril de 2014

Porquê o ciclismo e porquê as clássicas

Kapelmuur, local sagrado do ciclismo em Flandres (foto: CyclingTips)
A partir do momento em que toda a gente à nossa volta sabe que gostamos de ciclismo, é inevitável sermos questionamos sobre os motivos. Porque gostamos de ciclismo? Porque passamos horas e horas a ver 200 ciclistas a pedalar, mesmo quando "nada" se passa e sabemos que "tudo" se vai decidir na última meia hora? Não é fácil fazer entender a resposta, especialmente num país desportivamente quadrado de tão redondo ser.

Pela bravura, pelo esforço, pelos limites humanos levados ao extremo, pela capacidade de continuar a pedalar para lá da exaustão, claro. Mas penso que é mais do que isso. O ciclismo é a nossa novela das nove. A nossa série favorita.

São centenas de personagens que acompanhamos durante anos (umas com maior interesse que outras) e mesmo que por vezes pareçam tão diferentes entre si, todas as histórias estão relacionadas e cruzam-se numa prova que os une.

Quem se senta pela primeira vez para ver uma prova, não a pode viver como nós. Não está por dentro do enredo e para si são apenas alguns ciclistas a pedalar durante horas a fio. Para nós não. Para nós são pessoas que tratamos pelo nome, com as quais vibramos, e que estão a escrever a sua história. Não é apenas sobre o troféu da vitória. É sobre o caminho que o vencedor fez.

Uns podem acompanhar todas as provas, desde a Volta à França até à Volta ao Azerbaijão. Outros apenas podem acompanhar ao fim de semana e nas férias. Mas todos têm alguma preferência, ainda que no ciclismo não seja corrente que se torça pelo infortúnio dos adversários. Quando se gosta de um desporto, gosta-se mais do bom espetáculo do que da sorte de uns e o azar de outros.

Uma grande volta é o estender da história por três semanas consecutivas. Os corredores lutam desde o primeiro dia pelo sucesso que há de chegar três semanas mais tarde ou lutam diariamente por um triunfo parcial. A vitória é a cena esperada durante semanas, a cena que nenhuma revista antecipou. E essa é parte da magia do ciclismo, um espetáculo que se eleva para lá da vitória ou da derrota.

As clássicas têm outra magia.

Se ao longo de três semanas é necessária uma regularidade que deixa o lote de aspirantes à vitória reduzidos aos dedos de uma mão, as clássicas representam o dia de sorte com que muitos podem sonhar.

Uns atacam nas mais duras dificuldades para fazer valer o seu favoritismo, outros tentam resistir na roda para depois fazer valer a sua mais melhor ponta final. Uns esperam uma corrida mais calma, outros pedem aos seus colegas que endureçam a corrida tanto quanto possam. E há ainda todos aqueles que jogam na antecipação, atacando antes dos favoritos em busca da sorte que um dia premiou a ousadia de Vanssummerem ou O'Grady.

Não se trata de serem melhores ou piores, mais ou menos interessantes que as provas por etapas. As clássica são diferentes, de características próprias, geralmente mais abertas e mais atacadas. E tudo está em jogo naquele momento, sem esperar pelo dia seguinte.

Por tudo isto, a primavera ciclista, que começa quando os ciclistas saem de Milão e finda quando chegam a Liége, é a minha estação favorita. Por tudo isto, adoro ciclismo. Por mais um pouco de inexplicável, apaixonado. Que venha a Volta a Flandres e o Paris-Roubaix!

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