sábado, 26 de julho de 2014

A Tripla Coroa de Vincenzo Nibali

Maio de 1968, Felice Gimondi é coroado em Bilbao vencedor da Vuelta a España e conquista assim a tripla coroa das grandes voltas, depois da vitória no Tour de 1965 e do Giro de 1967. Gimondi era o segundo ciclista a alcançar tal feito, depois de Jacques Anquetil, e desde então apenas mais três o conseguiram: Merckx, Hinault e Contador. Vincenzo Nibali junta-se amanhã ao clube.

Na comemoração dos seu setenta anos perguntaram a Gimondi qual o ciclista da atualidade que mais se parecia com ele. "Vincenzo Nibali", respondeu. E ele, que venceu Paris-Roubaix, Sanremo e Lombardia, que foi campeão do mundo, justificou: "É dos poucos que corre de fevereiro a outubro. É sempre competitivo, durante toda a temporada. Defende-se em todos os terrenos e tem uma cabeça forte". Foi em setembro de 2012 e desde aí Nibali só deu (ainda mais) razão às palavras de Gimondi.

Como escrito na antevisão deste Tour, Vincenzo Nibali tem algo que falta àqueles que era os seus principais adversários à partida: um percurso e uma evolução coerentes. Nibali nunca foi uma grande surpresa. Subiu ao topo do ciclismo degrau por degrau.

Jovem claramente acima da média, assinou o seu primeiro contrato profissional ainda antes de cumprir 20 anos. Acabara de ser terceiro no Campeonato do Mundo de contrarrelógio sub-23, o mesmo posto alcançado dois anos antes enquanto junior. Na prova de fundo foi quinto.

Aos 21 anos estreou-se a vencer no Pro Tour, com o GP Ouest France. Em 2007 estreou-se em grandes voltas e foi evoluindo até chegar aos pódios, o primeiro deles no Giro de 2010, depois a vitória na Vuelta do mesmo ano. Em 2013 arrasou o Giro, este ano arrasou o Tour, para uma vitória que ficará selada quando subir ao pódio de Paris no domingo.

Esta temporada foi discreta até ao título italiano conquistado na semana que antecede o Tour. Sobretudo no Critérium du Dauphiné mostrou-se bastante inferior a Alberto Contador.

"Na primeira metade da temporada nunca cheguei à minha melhor forma, devido ao nascimento da Emma [filha] e à minha queda no começo do ano [Tour de San Luis]. Nos últimos dois meses cheguei finalmente à forma que queria, estou calmo e confiante para o Tour, que é o principal objetivo para mim e para a equipa. E eu sei como trabalhar e como me preparar." Disse na véspera de conquistar o título nacional.

Sem dúvida que sim, que se sabe preparar. Em toda a sua carreira apenas por uma vez falhou a preparação de uma grande volta, foi na Vuelta 2011. Na defesa do triunfo do ano anterior ficou-se pelo sétimo posto, claramente longe da sua melhor forma. Não mais voltou a falhar na preparação.

Esteve longe do seu melhor e de Contador no Dauphiné, sim. Mas afinal de contas o que importa o Dauphiné? Para o Tour, nada. Os tempos estavam a zero na saída de Leeds e Nibali chegará a Paris como vencedor.

Vuelta 2010
Quando venceu o GP Ouest France, em 2006, apresentou-se como um apaixonado das clássicas. "Sou também fascinado pelo Paris-Roubaix, mas sou demasiado leve para ele."

Foi nos setores de pavé que habitualmente compõem o Inferno do Norte que Nibali registou a sua primeira grande vitória neste Tour. Vencer a segunda etapa e envergar a camisola amarela terá sido uma grande alegria e um grande incentivo para o italiano. Mas mais importante foi a sua prestação sobre os pavés para ganhar mais de dois minutos aos principais adversários. Pouco importa que tenha sido Lars Boom o primeiro a terminar a etapa.

É leve demais para o Paris-Roubaix, mas a etapa disputou-se em condições atípicas, num lamaçal. E quando toda a gente procurava evitar azares, Nibali procurava ganhar tempo.

Roger De Vlaeminck, Monsieur Paris-Roubaix, que ali venceu por quatro vezes e era conhecido por não cair nem furar, dizia que evitava os erros porque era o que estava em melhor forma e, como tal, mais fresco, mais lúcido. Nibali, além de estar em excelente forma, tem uma técnica sobre a bicicleta fantástica, que não o torna imune mas reduz a quantidade de vezes que caiu. E é essa técnica e controlo sobre a bicicleta que lhe permitem descer mais rápido que todos os seus adversários quando as curvas fazem apertar os travões. A mesma técnica apurada foi fundamental naquele dia no Norte de França.

Venceu nos Vosges, nos Alpes e nos Pirenéus. Foi o melhor em toda a dimensão da corrida, do princípio ao fim. E prepara-se agora para terminar o jejum italiano que dura desde o triunfo de Marco Pantani em 1998. Mais do que isso, prepara-se para se juntar ao grupo da Tripla Coroa das Grandes Voltas.

A sua equipa esteve excelente. Não houve um braço-direito tão evidente como Tanel Kangert no Giro do ano passado ou como o próprio Nibali o foi para Basso em 2010. Mas houve sempre alguém da Astana a acompanhar o chefe-de-fila nos momentos decisivos, não deixando que este alguma vez se sentisse ameaçado. A liderança nunca teve em perigo, nem quando a Astana decidiu entrega-la a Tony Gallopin.

Vincenzo Nibali atacou e atacou para uma vitória demolidora sobre os seus adversários, para que não restassem dúvidas sobre quem era o melhor neste Tour. O Tubarão foi dominante sobre todos os seus adversários e sobre os perigos que estavam lá para todos.

No tocante a grandes voltas, não lhe resta alternativa a não ser tentar uma nova vitória no Tour, já em 2015. Mas o ciclismo é muito mais do que Giro, Tour e Vuelta e Vincenzo Nibali pensa ciclismo de uma forma muito mais ampla.

Falta-lhe um Monumento e o título mundial, que já procurou. Com os ataques ano-após-ano em Sanremo, onde o percurso nada se adequa a ele mas a vontade de ganhar a Classicissima levam-no ao seu limite. Com a caminhada solitária na Liège-Bastogne-Liège de 2012 que terminou no segundo lugar, alcançado e ultrapassado por Maxim Iglinskiy à entrada do último quilómetro. Com a louca perseguição a Joaquim Rodríguez no Mundial de Florença, sabendo que Rui Costa e Valverde estavam na sua roda mas que não havia tempo para hesitações e alguém tinha que assumir a perseguição a Purito.

Giro 2013
Nas suas declarações é confiante nas suas capacidades, respeitante perante os adversários. Não é dado a polémicas.

"Quero divertir as pessoas que me apoiam no esforço e no sacrifício. Não penso tornar-me uma lenda" disse no final da décima nona etapa, quando toda a montanha estava ultrapassada e apenas restava o contrarrelógio e a consagração de Paris. 

Mas em Paris, mais do que o vencedor do Tour, será a consagração de uma lenda, alguém que pelas suas conquistas se junta à elite deste desporto, na atualidade e na sua história. Bravo, Vincenzo!

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